Um preliminar importante. Quem investiu na PT sempre soube da existência da golden share, das tais 500 acções que conferem poderes especiais ao Estado. Também não restaram dúvidas sobre a opinião do governo sobre a ofensiva da Telefónica lançada à parte da brasileira Vivo detida pela PT. Foi o próprio primeiro-ministro que disse na Assembleia da República que tinha dado orientações à CGD para votar contra a oferta espanhola. Antes, em solo brasileiro, avisou que a golden share existe para ser utilizada, se fosse caso disso. Desta vez, Sócrates não enganou ninguém. De que se queixam, então, certos accionistas da PT, aqueles que pulularam à volta de Sócrates nos últimos anos, os tais que defenderam e investiram activamente na defesa dos centros de decisão nacional, os mesmos que pouparam a Sócrates o incómodo de sacar, no passado, da golden share, e que agora, para começar, já nos custou o tom jocoso do Financial Times, que acusa Portugal de ser o ltimo reduto da "estupidez colonial". A decisão do governo de accionar a golden share é inédita, mas – é sabido pelos tais accionistas – este instrumento não é a única maneira de impedir o sucesso de uma operação no mercado de capitais. Até agora, a golden share nunca foi necessária porque se travaram operações recorrendo a outros esquemas, como tão bem sabem certos accionistas. A golden share de Sócrates foi mais ruidosa mas não foi o primeiro atentado à confiança dos investidores no mercado de capitais português.
Posto isto, segue-se a dura realidade. Muita coisa mudou e muito mais vai mudar. Portugal é um país pequeno. Pior, é pobre, ou de forma simpática, o mais pobre dos ricos. E, depois desta crise, a fragilidade do país está espalhada ao comprido. O dinheiro passou a ter mais valor, também para estes accionistas, e a verdade é que o preço oferecido pela Telefónica fazia falta a muito boa gente. E, como alertou Ricardo Salgado, vem aí Basileia III, que, sem reajustamentos, exigirá ao BES e aos outros bancos mais capital. Mais um problema, que leva mesmo o banqueiro a admitir a venda da participação do BES na própria PT. O mundo não está, como se vê, para as brincadeiras de outros tempos.
O dilema está em saber como é que um país pequeno e pobre consegue manter empresas grandes. Aquilo que parece, também por outros casos que não a PT, é que por aqui se trabalha bem, engorda-se o porco para depois chegar um mais forte disposto a pagar e bem para comer a saborosa carne. Por aqui, parece não haver dinheiro para resistir e segurar as grandes empresas.
Voltando às mudanças, já cheira a nova liderança e há, por isso, que começar a pensar em pulular à volta do próximo. É assim Sócrates no final, sozinho com uma golden share. Se fez bem, se fez mal, é difícil responder sem mais nem menos. Na teoria, fez mal e é escusado sacar dos argumentos, de tão debitados que já foram. Na prática, fez o mesmo que se faz em Espanha, França ou Itália. É verdade, o "Financial Times" deveria estar melhor informado... O tribunal julgará e Portugal sofrerá, se for caso disso, as consequências, arriscando, por exemplo, uma OPA sobre a própria PT sem golden share. É assim a vida de um país sem dinheiro, pequeno, curto em accionistas e em empresários.
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