Quarta-feira, 25 de Novembro de 2009

o dedo mindinho de Sócrates

Sócrates não é só audaz, é atrevido. Ignorou olimpicamente o caminho que Vítor Constâncio apontou para reduzir o défice orçamental dos 8% para os 3% impostos por Bruxelas. O governador do Banco de Portugal admitiu anteontem que vai ser necessário "um aumento de impostos, não em 2010, mas até 2013", tendo em conta o deprimente estado das contas públicas. E que fez Sócrates? Desafiou um dos melhores economistas portugueses, que por sinal é só o que mais acerta sobre a economia nacional. E garantiu exactamente o contrário: que em Portugal não haverá subida de impostos, nem tão pouco da carga fiscal durante toda a legislatura, ou seja, até final de 2013. E que, mesmo assim, o seu governo vai conseguir organizar as contas do Estado, relançar a economia, criar emprego e, pelo caminho, investir em grandes obras e nas inspiradoras energias renováveis.

Sócrates não é só voluntarioso, é muito optimista. Ou então guardou muito bem guardadas outras soluções, brilhantes mas que mais ninguém está a ver, para resolver o problema da rigidissíma despesa do Estado. Só isto explica tamanha promessa. Sócrates não é ingénuo nem irresponsável e sabe melhor que ninguém que as ameaças do lado da despesa, no meio desta crise, são reais, e que as medidas do lado da receita - subida de impostos excluída -, por mais eficazes que sejam, serão insuficientes para baixar o défice cinco pontos percentuais.

Sócrates não gostou de ouvir Vítor Constâncio, só isso pode explicar que ontem o governador do Banco de Portugal tenha ensaiado uma tentativa falhada de explicações sobre o que disse na véspera. Mas nem essa espécie de não-foi-bem- -isso-que-eu-quis-dizer valeu ao primeiro-ministro. Ontem Silva Lopes, outro brilhante economista não distante do PS, também abriu as portas à subida de impostos, perante a quase impossibilidade de o governo conseguir reduzir o défice apenas através do corte da despesa do Estado.

É compreensível. Por agora, Sócrates prefere falar de outras coisas, já que tem pelo menos um ano de folga pela frente para tentar acalmar um país em brasa. Mas já custa entender que, perante o debate, opte por sacrificar a sua credibilidade, que até já faz impressão de tão débil que é. O que o primeiro-ministro fez ontem ao depreciar assim o diagnóstico de Vítor Constâncio e Silva Lopes faz lembrar um daqueles terríveis momentos de incapacidade para desviar o dedo mindinho da esquina da cama.

Uma dor que arrepia: em quem é que os portugueses acreditam? No primeiro- -ministro e no seu ministro das Finanças, que só agora ajustaram o défice à realidade, ou nos insuspeitos Vítor Constâncio e Silva Lopes? Sócrates ainda terá dúvidas? A resposta chegará em menos de quatro anos.

publicado por Sílvia de Oliveira às 20:01
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Segunda-feira, 9 de Novembro de 2009

Há coincidências

 

As mesmas pessoas no mesmo sítio e à mesma hora. Pura coincidência. Neste país o que parece quase nunca é, e qualquer suspeita tem de ser obra de mentes maquiavélicas, ou pior, completamente manipuladas. E nos últimos tempos as coincidências parecem não ter fim. Senão vejamos. José Sócrates e Armando Vara falaram ao telefone sobre o negócio de compra da TVI. Estariam, o primeiro-ministro e o vice-presidente do maior banco privado português, entretanto suspenso, pessoalmente interessados no futuro de um canal de televisão privado, aquele que mais incomodava o Governo? Ou haveria naquela conversa informação privilegiada, já que um dos interlocutores era vice-presidente de um dos principais financiadores da Ongoing, que acabou por fechar a compra de uma participação significativa da estação de Queluz? Não, claro que não. Tratou-se apenas de uma conversa de amigos, uma inconsequente troca de impressões, pura coincidência. A Ongoing é um dos principais accionistas da Portugal Telecom, que tentou comprar aos espanhóis da Prisa a Media Capital, embora o negócio tenha acabado por ser travado por Sócrates. A Ongoing acabou por anunciar a concretização deste mesmo negócio, um dia depois das eleições legislativas que deram a vitória a José Sócrates, mas, claro, foi resultado de um mero encontro entre a oferta e a procura. No meio desta operação ficou também a saber-se que os fundos de pensões e de saúde da PT investiram dinheiro em sociedades veículos da Ongoing, mas que nem um cêntimo, garantiu a Ongoing, servirá para financiar a compra da Media Capital. Como o dinheiro é tanto fungível quanto divisível, estranho seria pensar o contrário. Não, a PT não financiou, ainda que indirectamente, o negócio de compra da Media Capital pela Ongoing. Nada de mal-entendidos.

 

E na Face Oculta, a quantidade de obras do acaso? Foram constituídos 15 arguidos por suspeitas de tráfico de influências e de corrupção, entre outros crimes; um deles, Manuel Godinho, foi detido e outros quatro já suspenderam as suas funções nas empresas públicas onde trabalhavam; os almoços, os encontros, os telefonemas escutados, os envelopes, as prendas, foram tudo meras coincidências ou esquemas inventados por gente ardilosa, com especial destaque para os investigadores do processo. Nada disto na Face Oculta faz sentido; aliás, os arguidos caem que nem tordos das suas empresas exclusivamente como prova sincera da sua seriedade e inocência. Neste país, os políticos e ex-titulares de cargos públicos passam para o sector privado sem que haja qualquer interesse dos primeiros na influência e no poder dos segundos. Quantos casos temos de ex-ministros que passaram a integrar os conselhos de administração de empresas privadas? Tantos... Mas que fique claro, é tudo uma questão de competência.

 

E o espaço não chega para mais coincidências, todas as que cabem num país de inocentes bem-intencionados, a de um país que afinal é tão pequenino que se está a tornar irrespirável.

 

 

publicado por Sílvia de Oliveira às 19:41
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Terça-feira, 3 de Novembro de 2009

Não, não ensandeceram

Afinal há uma réstia de juízo entre os accionistas e o conselho de administração do maior banco privado português - o BCP. Alguém percebeu, espera-se que a tempo, que manter Armando Vara em funções era um risco impossível de correr. Oex-ministro de Guterres não foi condenado a nada mas é suspeito de participação numa rede de corrupção e tráfico de influências, é arguido no processo Face Oculta. Esta é a dura realidade e a leitura das conclusões do Ministério Público basta para arrepiar qualquer um. E num negócio como o da actividade bancária, que vive e respira confiança, o perigo era demasiado evidente, sobretudo para um banco a braços com a justiça. Ainda hoje não se sabe quais foram os verdadeiros custos para o BCP das guerras intestinas e pouco edificantes pelo poder que atingiram a instituição há alguns anos. E ainda pendem no Ministério Público as investigações sobre alegados crimes praticados nos tempos da presidência de Jardim Gonçalves.

 

Como admitia ontem Santos Ferreira, presidente do BCP, "as notícias que tem havido sobre esta matéria [processo Face Oculta] não são boas para a imagem do banco". Foi, desta forma, que Santos Ferreira abriu as portas à saída do homem que foi seu braço-direiro, primeiro na Caixa Geral de Depósitos e mais tarde no BCP.

Mas ainda foram precisos alguns dias para que os principais donos do banco e o seu presidente chegassem à conclusão de que a saída de Vara da vice-presidência do banco era uma inevitabilidade, mesmo sem acusações e sem julgamentos. E assim, foi perante a estupefacção de todos que se apressaram as demonstrações de solidariedade com Vara, esquecendo-se, pelo caminho, investidores, clientes e trabalhadores, ignorando, pelo caminho, o risco que imprimiam no futuro do banco. Sobre o alegado envolvimento de Vara na Face Oculta, Joe Berardo, com 6,22% do capital do maior banco privado português, disse que é "invulgar", que "não dá para acreditar" e que "parece um caso de ficção". A construtora Teixeira Duarte, um dos accionistas históricos do BCP com cerca de 7%, disse que "confia nas estruturas do banco e no seu funcionamento em quaisquer circunstâncias, incluindo esta". A Caixa Geral de Depósitos também não desarmou: "Neste momento, há apenas indícios, nada está provado, tenho muita consideração por Armando Vara", disse ao "Expresso" deste sábado Faria de Oliveira, o presidente do banco do Estado, que detém 2,5% do BCP. E, quanto aos outros donos do banco presidido por Santos Ferreira – EDP, Sabadell, Eureko, entre outros –, nem uma palavra. O que movia afinal estes accionistas? Uma confiança genuína em Vara ou antes uma dependência financeira e política asfixiante? Vítor Constâncio, o governador do Banco de Portugal, disse ontem que aquilo que o sector precisa é de bons exemplos. Palavras que não se dirigem apenas a Armando Vara.

publicado por Sílvia de Oliveira às 22:06
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