Domingo, 18 de Outubro de 2009

uma questão de confiança

Diz-se do novo governo que vai ser mais pequeno, reformista, que vai ser musculado, de combate, mas também pacifista e com uma forte vocação diplomática. Até pode ser tudo isto, mas não será muito diferente do anterior. E não é preciso muito para explicar porquê. O mundo não mudou depois das legislativas, a crise mundial ainda não passou e o país continua a ter os seus próprios problemas, e não são poucos. Os constrangimentos da economia portuguesa são exactamente os mesmos, pelo que o próximo governo não disporá, antes pelo contrário, de mais meios para enfrentar uma crise que está longe de ter passado e de cuja real gravidade muitos não se terão dado conta. O governo depende menos de si para governar nesta legislatura, tem pela frente um Parlamento com mais poder e contará com um ambiente de imprevisibilidade. Não consegue, tão-pouco, saber quanto tempo vai durar, o que debilita qualquer ímpeto reformista. O PS não ficou de repente repleto de candidatos a ministros competentes e em tempos de minoria é mais difícil atrair os bons. O programa de governo é aquilo que se sabe. E também Sócrates é o mesmo. O primeiro-ministro até pode ser, como diz Manuel Alegre, "uma pessoa de talentos vários", poderá até tornar--se cansativo de tão dialogante, mas ninguém muda tanto em tão pouco tempo. Mesmo perante circunstâncias tão diferentes daquelas a que estivemos habituados nos últimos quatro anos e meio.

Ilusões à parte, que se pode então esperar do próximo governo? Que não desfaça, não estrague. Parece pouco mas não é. Na actual conjuntura, basta um deslize para que qualquer esforço feito se evapore num ápice. E que se pede ao governo de José Sócrates? Pede-se que não sobrecarregue mais os que pagam impostos com pretensas reformas ficais, que acabam por pesar sempre do mesmo lado, que não desperdice um tostão – a simpatia de Bruxelas está prestes a terminar –, que acabe com as suspeitas que recaem sobre o Ministério Público e contribuem para a perigosa ideia de que a justiça é só para alguns, pede-se que se entenda com os professores, porque não há crianças que aprendam com professores zangados, pede-se, afinal, ao primeiro-ministro que satisfaça os desejos, nada transcendentes, dos que vivem neste país. Mas, o que é mais difícil, também se pede que José Sócrates devolva às pessoas a confiança no seu governo, não lhes minta e nunca esqueça que tem o dever e prestar contas.

Os dias são difíceis e não há tolerância para a incompetência e tantos outros defeitos da classe política portuguesa. É que não se pede mesmo nada de especial ao governo de José Sócrates: apenas que governe e se lembre todos os dias de respeitar a confiança que lhe foi entregue nas urnas.

publicado por Sílvia de Oliveira às 16:40
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o que faz um bom aluno?

 

 

 

Hoje, ao contrário do que acontecia há 100 anos, os pais já não escolhem apenas o mais dotado dos seus filhos para seguir o liceu. Hoje, os pais têm o dever de dar a todos os seus filhos condições para estudar, nem que para tal seja necessário pedir ajuda do Estado. Esta ajuda é, aliás, conforme sublinhou o Presidente da República, na sexta-feira, durante as comemorações do centenário do antigo Liceu Camões, uma condição indispensável para uma efectiva igualdade de oportunidades no acesso ao ensino. Não há, de facto, comparação, em 100 anos muita coisa mudou para melhor. O Liceu Camões deixou de ser uma escola selectiva à qual apenas tinham acesso os filhos de alguns. Mas o problema do Liceu Camões e da maioria as escolas de hoje já é outro. Não é novo, mas será, porventura, mais difícil de solucionar. As escolas têm um papel activo na reprodução das desigualdades sociais. Ao contrário do que se pensa, a escola não é aquela instituição imparcial que, simplesmente, selecciona os melhores alunos com base em critérios objectivos e na meritocracia. Afinal, o que as escolas fazem, já dizia Pierre Bourdieu, é espalhar os valores, as crenças, os gostos e os códigos da maioria, do grupo dominantes, isto sob a capa de um embrulho de material académico. Por mais inteligentes e endinheirados, só passam os que dispõem dos meios para decifrar estes códigos.

Na "Sociologia da Educação", Bourdieu notabilizou-se, precisamente, por questionar a neutralidade da escola e atribuir-lhe, inclusive, um papel legitimador das desiguldades sociais, quando converte as diferenças de raiz social em diferenças académicas ou de personalidade. O filósofo cortou, aliás, com uma falsa convicção: a de que é o factor económico a principal explicação para as desigualdades escolares. Para Bourdieu, o desempenho de um aluno está muito longe de depender apenas das suas qualidades pessoais, ou do dinheiro dos pais. O que distingue um bom aluno é, sobretudo, a sua "cultura geral", conceito vago onde se incluem as relações sociais e todo o capital cultural da família.

Por mais limitações que se atribuam à teoria de Bordieu, torna-se quase impossível ignorar certas evidências empíricas. De que forma, um aluno, por mais inteligente que seja, estará apto a concorrer numa escola onde se cobram, para além de conhecimentos técnicos, regras de boa-educação, de bem falar ou bem vestir com as quais nunca conviveu antes em casa? Seria possível imaginar relações tão íntimas entre os accionistas da Portugal Telecom e a própria operadora se Nuno Vasconcellos, Ricardo Salgado e Zeinal Bava não se regessem todos pelos mesmos códigos, se não partilhassem todos a mesma linguagem?

O que falta às escolas é serem, isso sim, genuinamente inclusivas. Não basta ao Liceu Camões, e a tantas outras escolas, ser menos selectivo. A liberdade de escolha e a igualdade de oportunidade estão longe de ser a solução para o problema das desigualdades entre alunos.

publicado por Sílvia de Oliveira às 16:38
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Quarta-feira, 7 de Outubro de 2009

o riso dos gestores

"Nada justifica que homens e mulheres ponham fim às suas vidas. Hoje, como ontem, não posso aceitar isso." Esta frase foi dita anteontem pelo número dois da France Telecom, Louis-Pierre Wenes, no dia em que foi afastado da direcção da empresa, na sequência da onda de suicídios que tem atingido a operadora francesa. À primeira vista e no meio de uma crise tão grave como esta, que atira para o desemprego milhões de pessoas, todos tenderão a concordar com este gestor da France Telecom. Além da mais profunda convicção de que é sempre preferível viver, não será o desemprego o fracasso absoluto? Não será preferível ter pessoas que não se sintam completamente felizes no trabalho, do que pessoas desempregadas? Mas se fosse assim tão simples, o que explicaria então que pessoas que têm trabalho se suicidem? Só nos últimos 19 meses, verificaram-se 24 suicídios na France Telecom e as tentativas falhadas foram, pelo menos, uma dúzia. É pouco provável que sofressem todos de problemas mentais, mas mesmo que assim fosse, seria perfeitamente plausível pensar que os problemas profissionais destas pessoas contribuíram ou precipitaram o final. Também é impossível garantir que a decisão de suicídio se ficou a dever apenas ao stresse e às pressões no trabalho - raramente a decisão pode ser atribuída a uma única causa -, mas o que é certo é que as cartas de despedida destas pessoas acusavam desespero, stresse e pressões no trabalho.
E a France Telecom está envolvida num duro programa de corte de custos. Nos últimos quatro anos, saíram da empresa 22 mil pessoas e muitas das que ficaram lutam no dia-a-dia por um agressivo esquema de bónus... mensais.
 
É injusto culpar Louis-Pierre Wenes ou qualquer outro gestor da France Telecom por esta onda de suicídios, é ainda mais absurdo censurar as empresas que se reestruturam, que despedem e não se entregam ao fatal destino, que pode passar até pela morte, com todas as consequências que tamanho final tem para milhares de pessoas, mas é perfeitamente legítimo acusar a empresa de péssima liderança. Deveriam ser todos despedidos, não apenas Louis-Pierre Wenes. Não há desculpa para quem avança com um profundo programa de corte de custos contra os trabalhadores. Por coisas muito simples, que nem precisam de ser ditas por consultores especializados. Regras de puro bom senso. É o que dizem os estudos mais antigos da psicologia: acima de um nível moderado, o aumento da ansiedade e das preocupações reduz a capacidade mental; as emoções espalham-se como um vírus; quando as pessoas se sentem bem, o trabalho corre melhor; a boa disposição lubrifica a eficiência mental; o grau de satisfação das pessoas por trabalharem numa empresa explica boa parte do seu desempenho; as acções do líder - de uma só pessoa - explicam muitos dos sentimentos dos empregados relativamente ao trabalho. E está provado que um bom ambiente de trabalho resulta num aumento do volume de negócios.

É o riso a distância mais curta entre duas pessoas. É difícil fingi-lo. O barulho dos risos é um bom indicador da temperatura emocional da empresa e deveria ser obrigatoriamente medido no momento de avaliar o trabalho de qualquer gestor.
publicado por Sílvia de Oliveira às 21:53
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