Um preliminar importante. Quem investiu na PT sempre soube da existência da golden share, das tais 500 acções que conferem poderes especiais ao Estado. Também não restaram dúvidas sobre a opinião do governo sobre a ofensiva da Telefónica lançada à parte da brasileira Vivo detida pela PT. Foi o próprio primeiro-ministro que disse na Assembleia da República que tinha dado orientações à CGD para votar contra a oferta espanhola. Antes, em solo brasileiro, avisou que a golden share existe para ser utilizada, se fosse caso disso. Desta vez, Sócrates não enganou ninguém. De que se queixam, então, certos accionistas da PT, aqueles que pulularam à volta de Sócrates nos últimos anos, os tais que defenderam e investiram activamente na defesa dos centros de decisão nacional, os mesmos que pouparam a Sócrates o incómodo de sacar, no passado, da golden share, e que agora, para começar, já nos custou o tom jocoso do Financial Times, que acusa Portugal de ser o ltimo reduto da "estupidez colonial". A decisão do governo de accionar a golden share é inédita, mas – é sabido pelos tais accionistas – este instrumento não é a única maneira de impedir o sucesso de uma operação no mercado de capitais. Até agora, a golden share nunca foi necessária porque se travaram operações recorrendo a outros esquemas, como tão bem sabem certos accionistas. A golden share de Sócrates foi mais ruidosa mas não foi o primeiro atentado à confiança dos investidores no mercado de capitais português.
Posto isto, segue-se a dura realidade. Muita coisa mudou e muito mais vai mudar. Portugal é um país pequeno. Pior, é pobre, ou de forma simpática, o mais pobre dos ricos. E, depois desta crise, a fragilidade do país está espalhada ao comprido. O dinheiro passou a ter mais valor, também para estes accionistas, e a verdade é que o preço oferecido pela Telefónica fazia falta a muito boa gente. E, como alertou Ricardo Salgado, vem aí Basileia III, que, sem reajustamentos, exigirá ao BES e aos outros bancos mais capital. Mais um problema, que leva mesmo o banqueiro a admitir a venda da participação do BES na própria PT. O mundo não está, como se vê, para as brincadeiras de outros tempos.
O dilema está em saber como é que um país pequeno e pobre consegue manter empresas grandes. Aquilo que parece, também por outros casos que não a PT, é que por aqui se trabalha bem, engorda-se o porco para depois chegar um mais forte disposto a pagar e bem para comer a saborosa carne. Por aqui, parece não haver dinheiro para resistir e segurar as grandes empresas.
Voltando às mudanças, já cheira a nova liderança e há, por isso, que começar a pensar em pulular à volta do próximo. É assim Sócrates no final, sozinho com uma golden share. Se fez bem, se fez mal, é difícil responder sem mais nem menos. Na teoria, fez mal e é escusado sacar dos argumentos, de tão debitados que já foram. Na prática, fez o mesmo que se faz em Espanha, França ou Itália. É verdade, o "Financial Times" deveria estar melhor informado... O tribunal julgará e Portugal sofrerá, se for caso disso, as consequências, arriscando, por exemplo, uma OPA sobre a própria PT sem golden share. É assim a vida de um país sem dinheiro, pequeno, curto em accionistas e em empresários.
"Não deixa de ser uma ironia que, depois de tudo o que se passou, seja eu o acusado de difamação", diz Sócrates a propósito da possibilidade de ser constituído arguido num processo resultante de uma queixa apresentada por Manuela Moura Guedes. É verdade, o primeiro-ministro não podia ter mais razão. É lá possível Sócrates ser acusado do que quer que seja, se nunca esteve envolvido em nada de suspeito desde que foi eleito primeiro-ministro. É certo e sabido. Sócrates, justiça lhe seja feita, tem um percurso impoluto, nunca o seu nome apareceu associado a casos estranhos, quanto mais suspeitos. A sua governação foi marcada pela eficácia e uma concentração inédita nas exclusivas funções de um governante. Sócrates envolvido num processo de alegada difamação a uma jornalista? Improvável. Este primeiro-ministro terá sido, desde que há democracia em Portugal, o que menos importância deu ao que se escreveu e disse sobre si e aos jornalistas. Sócrates é conhecido, diga-se, pela relação cordial que mantém com esta classe profissional, à qual pertenço – importante declaração de interesses. E o respeito que mostra pelos jornalistas é enorme, nunca lhe passou pela cabeça viver rodeado de uma cambada de inúteis com pouco mais para fazer do que o atacar. É uma ironia, sem dúvida, até porque é absolutamente normal que um primeiro-ministro apelide, em directo no canal de televisão do Estado, o "Jornal de Sexta", então apresentado pela jornalista da TVI Manuela Moura Guedes, de noticiário "travestido", movido pelo "único objectivo do ataque pessoal, feito de ódio e perseguição pessoal". Vivemos ou não num país onde o mesmo primeiro-ministro tanto fez pela liberdade de expressão? Tem razão José Sócrates, é, no mínimo uma ironia que coisas destas lhe possam acontecer.
Aliás, ontem o dia foi em grande para o governo. O ministro da Justiça esteve talvez no seu melhor quando disse que quem tem de decidir sobre o pedido de levantamento da imunidade ao primeiro ministro são "os órgãos com competência para tal". Ou seja, acrescentou Alberto Martins, "quem tem de decidir sobre esta matéria são os órgãos com competência para tal, o Ministério Público, os tribunais, a Assembleia da República e o Conselho de Estado. Respeito esses órgãos". Mais claro seria impossível. Pois, eles que se entendam e interpretem as leis, é para isso que existem e não há como escamotear a realidade: se há coisa que funciona bem em Portugal é a Justiça. E nem é preciso pensar muito. A verdade, a mais pura, é que há muito tempo que este país não estava tão bem entregue, a um primeiro-ministro competente, consequente e tão determinado que até surpreende como é que ainda se mantém em funções depois de ter sido alvo de tanta injustiça. Terão os funcionários públicos ouvido bem quando Sócrates disse, há dias, que não haverá cortes de salários? Nunca houve porque duvidar. E, já agora, uma palavra igualmente importante para a oposição. Passos Coelho tem sido de uma responsabilidade incansável, é de reconhecer o seu sentido de Estado e um desapego ao poder sem precendentes. Para o líder do PSD, o que importa, registe-se, não é chegar ao poder, muito menos já. Um dia e só se for caso disso.
Sem ponta de ironia, não temos de que nos queixar, da Justiça, do governo ou dos partidos da oposição. E ainda bem, porque se assim não fosse, Portugal estaria mal, muito mal.
José Saramago será sempre recordado pela sua obra, a melhor homenagem que se pode prestar ao Nobel português é ler os seus livros. Mas que enorme lugar-comum disseram os que ontem quiseram escapar ao incómodo da pergunta sobre a ausência do Presidente da República ou fingir que o assunto era pequeno, irritante e irrelevante no meio da enorme tristeza causada pela morte do Nobel português.
É verdade, provavelmente a decisão de Cavaco não incomodou os amigos do escritor, provavelmente a família de Saramago até agradeceu não ter de, numa hora difícil, cumprimentar o chefe de Estado, aquele que em 1991 vetou "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" ao Prémio Literário Europeu. E também não deixa de ser verdade que ler e compreender os livros de Saramago, as suas histórias e personagens é, para os que acreditam na superioridade da literatura como instrumento da memória perdurável, o melhor tributo que se pode prestar a um grande escritor.
Tudo isto até pode ser verdade, mas não é caso único. José Saramago não continuará entre nós apenas pelo que escreveu. Quer se goste quer não, a sua vida mistura-se com a dos que se emocionaram e cresceram a lê-lo, ajuda, inclusive, a contar parte da história do país, a sua vida importa pelo que disse e fez, bem e mal, não se resume, por muito incómodo que cause a alguns e ao Presidente, à sua obra. Se Javier Marías fizesse um segundo "Vidas Escritas" e escolhesse mais 20 escritores, Saramago seria um deles. Porque é um nome grande da literatura mundial, mas também porque a sua vida dá um excelente personagem de ficção. Não é para qualquer um. Foi disso que Cavaco Silva não se deu conta. A emissão de uma nota escrita e formal de condolências e o envio do seu chefe da Casa Civil às cerimónias fúnebres pode não ofender os amigos e conhecidos do escritor, mas desconsidera muitos portugueses, de direita e de esquerda, católicos ou não, os que controlaram os juízos de valor para pensar com Saramago e desfrutar do que ele fez. Ao escolher não interromper as suas curtas férias e ficar nos Açores com mulher, filhos e netos, o Presidente da República esqueceu-se de que representa todos os portugueses, os que não gostam e os que gostam de Saramago, os que são a favor do casamento entre homossexuais e os que se ofenderam com a promulgação da lei. Que passou pela cabeça do Presidente da República para faltar à última homenagem nos Paços do Concelho e não representar convenientemente Portugal na despedida ao escritor português? Como é que Cavaco Silva tem o desplante de dizer que "o que um chefe de Estado deve fazer é diferente daquilo que deve ser feito pelos amigos ou deve ser feito pelos conhecidos"? Pois, o que deve fazer até pode ser diferente, mas está longe de ser fazer-se representar pelo chefe da Casa Civil. Nunca teve o privilégio na sua vida de alguma vez conhecer ou encontrar José Saramago, diz o Presidente. Que não se justifique, só piora as coisas, a única desculpa admissível era se com a sua ausência estivesse a corresponder ao desejo manifestado pela família do escritor. Se assim não foi, Cavaco não cumpriu o seu dever de chefe de Estado, de Presidente de todos os portugueses. Por muito que lhe custasse, há situações que não se compadecem com presenças em espírito.
Não foi o desânimo que nos levou à Índia, lembrava ontem o Presidente. Pois não, foi D. João II, que depois do reinado desastroso do seu pai - D. Afonso V - arrumou um reino empenhado e definiu um desígnio nacional: a busca de um caminho marítimo para a Índia.
O que o Príncipe Perfeito pretendia não era mais do que enriquecer, por maior romantismo que se queira encontrar nas expedições. Não vacilou, não dividiu esforços nem recursos - recusou patrocinar a viagem de Colombo, que descobriu oficialmente a América -, e mobilizou tudo e todos à volta de um objectivo concreto, a chegada à Índia contornando África.
Esta história deve inspirar-nos, sobretudo a quem governa. Tal como no século XV, Portugal também está empenhado e precisa urgentemente de criar riqueza, de, como disse ontem Cavaco, afastar mais uma vez o cenário de nação improvável e levantar os braços num esforço suplementar de coesão, seja geracional, territorial ou social. Tal como há mais de 500 anos, o país precisa de um desígnio nacional e de concentrar todo o investimento na sua concretização.
Não é segredo, transformar Portugal numa economia exportadora deve ser o nosso caminho marítimo para a Índia. Mas é um enigma saber se e como isso será possível. Portugal escolhe o caminho mais fácil, o de ter várias prioridades, não faz o mais difícil, dizer não, isto e mais isto não quero. Quer o TGV, um novo aeroporto de Lisboa, uma terceira travessia sobre o Tejo, quer mais hospitais e ser pioneiro nas energias renováveis. Não é querer muito, não fossem tão escassos os recursos. São projectos seguramente importantes, mas não há tempo para tantas prioridades. O desígnio nacional é exportar, hoje e amanhã. É nisso que se devem concentrar governo, conselhos para a internacionalização da economia, empresários, gestores e trabalhadores. Um contrato nacional.
E outra vez se pede que Cavaco Silva fale ao país, que o Presidente saque dos seus mais profundos conhecimentos de professor de Finanças Públicas e tenha uma intervenção de fundo, faça uma comunicação solene sobre a crise. Querem que o Presidente diga o que pensa sobre o tema e conclua com um sinal de esperança. Ora aí está uma coisa que dificilmente Cavaco Silva conseguirá fazer. Se dissesse de uma assentada tudo o que pensa desta crise, se desvendasse todos os seus receios sobre a economia portuguesa e não só, o risco era não sobrar esperança que se visse.
Um Presidente da República não pode mentir, quando muito pode omitir parte da verdade. Mas não é isso mesmo que têm feito os responsáveis por gerir o ânimo do país, Cavaco incluído? Os que pedem que o Presidente fale ao país devem estar conscientes de que, nesta fase, os portugueses já só ouvem e ligam à verdade e à clareza. Ainda ontem, Cavaco aproveitou um tema leve para enviar aos portugueses mais uma mensagem sobre a crise. Quando lhes pediu para passearem pelo país em vez de fazerem férias no estrangeiro, Cavaco quis dizer muito mais do que se possa pensar. Quis dizer que todos precisamos do consumo de todos, um euro que seja, não para suportar, mas para sobreviver à austeridade que se irá manter por muito e bom tempo. Será que alguém ouviu, que todos perceberam bem as palavras do Presidente? O país precisa de todos os portugueses, até quando eles vão de férias.
Será preferível que Cavaco se sente no sofá de Belém para explicar na televisão, em horário nobre, que o país vive uma situação insustentável, que o risco de Portugal ter de recorrer ao fundo de emergência europeu é bem real, que a entrada do FMI não é um mito urbano, que a agonia vai durar e que 2011 tenderá a ser pior que 2010? Será preferível a solenidade e que o Presidente repita o que outros já disseram? Nesta edição do "Expresso", Daniel Bessa dedica a sua opinião ao tema da verdade. Dá uma longa e propositada volta pela PT e pela guerra pelo controlo brasileiro da Vivo para chegar ao que verdadeiramente lhe interessa: "Nos últimos meses, o financiamento exterior da banca portuguesa tem sido assegurado pelo BCE. Não é sustentável. Não haverá vitória, nem sossego, por maior que seja o sucesso do PEC, enquanto este problema não for também resolvido." O ex-ministro socialista não foi suficientemente claro? A verdade é tão dura que o risco de a contar em detalhe, para leigo entender, é enorme. Talvez valha a pena, mas meçam-se as consequências. Em Portugal o sistema financeiro é o sistema bancário, ou seja, a economia depende da banca. Não é difícil imaginar as consequências da indesejável eventualidade de uma banca estrangulada. Não está claro?
Bem, Cavaco também pode pegar no microfone e dar um valente puxão de orelhas ao governo. Explicar a todos que não somos campeões de crescimento da Europa, que o desemprego aumentou, por mais que o secretário de Estado venha dizer que o Eurostat está enganado. O Presidente pode, de facto, desautorizar ainda mais José Sócrates e deixar bem claro que, no período em que mais precisa, o país tem uma liderança (?) fraca e desesperada. Pode, Cavaco pode fazer isso tudo, mas pesem-se e assumam-se os riscos. Se Cavaco falar, terá de falar claro, para todos entenderem, porque de confusão o país já está bem, obrigada.
Falta pensar no futuro, planear, definir uma estratégia de longo prazo, fazer mais do que cortar a eito na despesa para suportar o presente. A meta de um défice inferior a 3% até 2013 é importante, mas não é despicienda a forma de lá chegar. Muito pior é a sensação de estar de mãos e pés atados, de que não há muito mais a fazer. Mas quando não se entende o presente é difícil pensar, quanto mais acreditar no futuro.
Não entender o alcance das medidas de austeridade tomadas pelo governo, ou melhor, temer que não tenham qualquer alcance, a não ser disparar para cortar nos custos, afasta qualquer um de quem decide. É esse o maior problema deste governo, que pede sacrifícios enormes sem apontar uma direcção. Os impostos aumentaram ontem, mas não existe qualquer garantia de que em 2013, ou, sejamos tolerantes, mesmo em 2025, Portugal estará melhor, de que todos teremos ganho qualquer coisa. Pode sempre argumentar-se ao contrário, dizer-se que se não se pagasse mais agora tudo ficaria pior, tais são os riscos que pairam sobre a economia nacional. Mas isso não vale, isso não é governar.
Ontem Isabel Alçada anunciou o encerramento de quase mil escolas espalhadas pelo país - 500 já em Setembro -, uma decisão que afectará cerca de 10 mil alunos do primeiro ciclo. A ministra garantiu que o fecho destas escolas com menos de 21 alunos é feito a pensar no bem das crianças e que mais não fez do que dar seguimento ao trabalho da sua antecessora, Maria de Lurdes Rodrigues. Oxalá! É bom que o governo saiba muito bem o que está a fazer. Pode afectar só 3,5% dos alunos do primeiro ciclo, para citar Isabel Alçada, mas são 10 mil crianças que vão alterar a sua rotina. O que está em causa não é apenas mudar de sala de aula. É mesmo bom que todo este processo de reorganização da rede escolar esteja bem pensado, que não exista por aqui qualquer tentação de aproveitar para poupar mais uns milhares de euros. O assunto é sério, talvez o mais sério; trata- -se da educação dos nossos filhos. Lá está, do futuro. E o que o passado nos mostra é desolador. Segundo dados da OCDE de 2010, citados pelo "Público", nos últimos 50 anos os portugueses mais que duplicaram o tempo médio de permanência na escola, mas mantiveram-se entre os piores, apenas à frente da Turquia. O veredicto é confirmado pelo Banco de Portugal no recente relatório da Primavera. O país nunca conseguiu, de facto, acompanhar os seus parceiros europeus no aumento do nível de qualificações da população activa. Ainda que o governo gaste cada vez mais na educação. Só isto basta para provocar a dúvida sobre o presente. A responsabilidade pela boa educação dos nossos filhos não é, obviamente, toda do governo, mas se este não faz a parte que lhe compete com a receita dos impostos, cada vez mais altos, que cobra aos pais. Se não sabe se faz bem, é melhor ficar quieto. Com este passado e com este presente, é cada vez mais difícil acreditar num futuro deste governo. Uma certeza: não haverá nunca melhores mãos que as nossas.
O ministro das Finanças e os gestores das principais empresas cotadas em bolsa aterrarão por estas horas em Nova Iorque para tentar convencer os investidores de que o mundo não mudou assim tanto. Fernando Teixeira dos Santos terá uma oportunidade única para tentar explicar, em pleno centro financeiro do mundo, o programa de austeridade e de arrumação das contas públicas. Já os chairman e os CEO das maiores cotadas do país quererão provar que, apesar da ameaça de nova recessão que paira sobre a economia nacional, continua a ser atractivo comprar acções das suas empresas. Não basta desejar- -lhes sorte. Os investidores institucionais instalados em Wall Street são interlocutores exigentes, não se convencem com o tipo de mensagens que o primeiro-ministro e o seu ministro das Finanças têm deixado por cá. E são de um pragmatismo assustador, não toleram a indecisão, a dúvida e muito menos a confusão, que tem reinado ultimamente pelo país.
E quando compram participações no capital de uma empresa, o objectivo é muito claro: fazer dinheiro, no curto, médio ou longo prazo. A racionalidade do investimento impera (quase) sempre na decisão. A estratégia de vida pesa na análise, mas as mais-valias potenciais são indiscutivelmente o que mais conta para estes investidores, que quando não entendem o que se passa tendem a afastar-se. E é isso que torna ainda mais difícil a vida a Zeinal Bava (PT), a Carlos Santos Ferreira (BCP), a Francisco Lacerda (Cimpor) ou a António Mexia (EDP).
Um exemplo. A PT recebeu há pouco mais de uma semana uma oferta da Telefónica, que quer comprar a metade portuguesa na brasileira Vivo por 5,7 mil milhões de euros. No final da semana, alguns jornais espanhóis falavam da possibilidade de a parada subir até aos 8,5 mil milhões. O primeiro preço foi rejeitado unanimemente pelos accionistas de referência da PT, que detém um terço do capital, mas até que ponto uma proposta melhor poderá ser ignorada? Cerca de 60% do capital da operadora nacional está nas mãos de fundos internacionais, com lógicas de investimento tão diferentes das de um BES, de uma Ongoing ou de uma CGD. A existência de uma goldenshare do Estado, então, é encarada com desconfiança, se exercida, é abominada. A Vivo é um activo precioso, é o que distingue a PT da Sonaecom, o que a transporta para além do local, mas a não é uma Media Capital. Qualquer interferência soará tanto quanto o sino da abertura de sessão na New York Stock Exchange, que os gestores portugueses terão direito a tocar amanhã.
Mas o ataque espanhol à PT é apenas um hipotético exemplo do que pode afastar os investidores institucionais. Outro, a Cimpor. Conseguirão os gestores de uma das maiores cimenteiras do mundo explicar as recentes alterações que ocorreram na sua estrutura accionista, bem como qual é o papel da CGD, o banco do Estado, neste processo?
Ao ministro das Finanças e aos gestores do PSI não basta, por isso, mostrar em Nova Iorque metas de défice ou de dívida.
O que corre nas veias dos portugueses? Será mesmo sangue? O despropósito surge porque, no curto espaço de uma semana - num ápice -, o país foi confrontado com um duro plano de austeridade - palavra educada! -, e a vida parece ter continuado como se nada de importante tivesse mudado. O governo que jurou a pés juntos, apenas há seis meses, que não aumentaria impostos juntou-se ao maior partido da oposição, aquele que prometeu que jamais aprovaria medidas que resultassem num aumento da carga fiscal, e anunciou um grave aumento de impostos. Que não poupará ninguém, nem mesmo os mais pobres, que fazem - mesmo! - contas ao preço do pão. Ouviram-se, talvez, uns queixumes a mais, a ladainha de sempre, mas mais nada, como se nada de particularmente relevante tivesse ocorrido nos últimos dias. O que ressoa são as vozes do costume, dos que garantem, sem qualquer ponta de dúvida, que tem de ser assim, que o país não tem saída, que foram Bruxelas, Sarkozy e Merkel que nos impuseram um espartilho mais apertado, e que já nem o governo pode fazer nada, que é o preço a pagar se quisermos dar um futuro melhor aos nossos netos. E também ainda se ouvem os elogios ao esforço de Teixeira dos Santos, à inesperada sensatez de Passos Coelho e à preocupação de Sócrates, que, à última hora, conseguiu poupar as PME com uma facturação inferior a 2 milhões de euros da taxa acrescida de IRC.
É capaz de ser sangue o que nos vai nas veias, mas não deve ser lá grande coisa. Basta ler o o mea culpa de Luís Amado, ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, ontem em entrevista ao "Diário Económico": "Ao longo da última década não fizemos o que deveria ter sido feito [...] Deveríamos ter sido mais rápidos na última década a fazer reformas estruturais que garantissem a competitividade da nossa economia sem a alavanca da desvalorização monetária. Esse conjunto de reformas estruturais foi sendo adiado porque tivemos governos relativamente frágeis desde o início do euro." Pois é, a verdade é tão simples. Os governos não fizeram nada, nem os seus, caro ministro de Estado, e agora não há mesmo nada a fazer. Mesmo que o sangue fosse de jeito e chegasse a ferver, não valia a pena. Não há greves, manifestações ou sequer um "direito à indignação fiscal" que nos valha, agora há que trabalhar muito e, pelo meio, tentar gerir danos, perder o menos possível. E, imperioso, nunca esquecer o que se passou, guardar num lugar precioso da memória, o que nos está a acontecer. Este silêncio não pode significar que todos passámos um cheque em branco ao governo, a este e aos que estiverem para vir. Os sacrifícios que agora nos preparamos para aceitar, porque não temos alternativa, devem ser sentidos como uma transfusão de sangue, do mais saudável. Se assim for, estaremos mais vivos para fiscalizar os governos e para lhes exigir melhores políticas. Mudem a Constituição, imponham um limite à alemã para o défice público, entusiasmem-se com o que quiserem, mas preparem-se para um povo de sangue novo. Hoje Sócrates falará ao povo, através de uma entrevista à RTP. Que evite repetir que o país é o campeão do crescimento, é falso, soa a insulto e pode deixar-nos sem pinga de sangue.
Cavaco Silva garante que sabe muito bem aquilo que está a fazer e, por isso, apela a um voto de confiança no nosso - seu - ministro das Finanças, a propósito das novas metas do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) e da capacidade do governo para as executar. O Presidente não pediu que o país confie no governo porque simplesmente não pode apelar à confiança em algo que está partido (faça zoom nas páginas 14 a 17). Se o tivesse feito, os portugueses seriam chamados a confiar em quem? Nos que estão contra a suspensão, o adiamento, a reavaliação - o que se lhe quiser chamar - das grandes obras? No primeiro- -ministro, que no final de Abril - há menos de duas semanas -, em pleno debate quinzenal, enchia o peito para dizer que rever o plano de investimentos públicos era "uma fantasia que não tem a menor correspondência com a realidade"? Disse mais: "Eu sigo o meu plano e não me impressiono. O pior que pode acontecer a um político é quando tem um plano pensar mudá-lo quando encontra uma dificuldade". Que risco pedir aos portugueses que confiem neste primeiro-ministro, o mesmo que agora - não passaram sequer duas semanas - reviu de alto a baixo o seu plano de investimentos públicos. Está tudo dito, é desnecessário relembrar outras contradições de José Sócrates sobre as grandes obras. Muitas e num curto espaço de tempo.
Cavaco confia em Teixeira dos Santos, já deu disso provas várias vezes, fez até questão de ouvir o ministro em Belém e, só por isso, pode pedir o mesmo aos outros.
Fernando Teixeira dos Santos conseguiu dizer o que pensa sobre o tema dos grandes investimentos sem embaraçar o primeiro-ministro, ainda que a sua contenção lhe tenha custado o incómodo rótulo de desautorizado. Conseguiu aguentar as vacilações de Sócrates, numa habilidade de palavras, colocando à vista de todos as divergências no seio do governo sem, no entanto, escancarar as portas. E, pelos vistos, com resultados. O novo aeroporto de Lisboa foi adiado, a terceira travessia sobre o Tejo também, do TGV manteve-se o troço Poceirão- -Caia e estão sob análise eventuais cortes noutros projectos. Teixeira dos Santos desejaria tanto o investimento público quanto o PCP, cuja reacção ao cancelamento das obras foi no mínimo hilariante. Não há governo que dispense esta forma de estimular uma economia estagnada, a não ser quando os perigos são demasiado evidentes. Mas nem todos perceberam que o país tem de mudar de vida. Portugal está demasiado endividado - o Estado e, sobretudo, as famílias e as empresas - e depois desta convulsão nos mercados o custo da dívida disparou. Não é de hoje que se sabe que já não vivemos no tempo do crédito fácil e barato. Ouça-se Cavaco Silva, três frases: 1. "Faz sentido, neste tempo, reexaminar os investimentos públicos e privados na área dos bens não transaccionáveis que sejam capital-intensivo tenham uma grande componente importada"; 2. "A nossa recuperação económica só será duradoura se se reduzir as necessidades de financiamento externo"; 3. "É nas comunidades locais e nas PME que pode estar a fonte duradoura da nossa recuperação económica." Chega? É que, neste caso, o Presidente da República sabe o que está a dizer. Seria bom que José Sócrates ouvisse, mostrasse convicção nas decisões e que confiasse sem hesitações no seu ministro das Finanças. Não nos podemos dar ao luxo de ter um primeiro-ministro que governa ao sabor das pressões dos mercados e das opiniões que muitos decidiram tornar públicas, como Vítor Constâncio ou Jean-Claude Trichet.
Não, não é instinto maternal, não há pinga de emoção, é antes uma convicção assente em coisas prosaicas. Mas é inédito. A vida dos nossos filhos dificilmente será melhor que a nossa. Pode dizer-se que sempre foi assim, que os nossos pais e avós também sentiram o mesmo, que não há como escapar ao medo e à incerteza em relação ao futuro. Mas não, infelizmente, os dados existentes são suficientes para antecipar um futuro seguramente diferente e muito mais difícil. Como disse tão bem o historiador Rui Ramos, em entrevista ao i publicada no sábado: "Quem é jovem em Portugal hoje em dia, quem tiver 15, 18 ou 19 anos, a sensação que terá é que chegou no fim da festa e vê os mais velhos a guardar as garrafas de champanhe e os restos dos cocktails e dos bolos, há fitas pelo chão, mas a festa acabou." "E ainda por cima, não é só limpar os restos da festa, como pagar a festa, que é outra coisa que nós lhes reservámos. A conta da festa das gerações anteriores. Têm de pagar a nossa saúde, as nossas pensões..." Isso tudo, os nossos excessos, os que já fizemos - não há volta a dar - e os que viermos a fazer. Para isso, poderemos contar com os nossos filhos, sim, porque nós já não temos um tostão, só dívidas, e continuamos a viver do crédito para pagar as contas do dia-a-dia. Bela prenda, cheia de obrigações e menos direitos.
O mais fácil é dizer que é o costume, são sempre os mesmos!, acusar os críticos de pessimistas, de não fazerem mais nada além de dizerem mal, esquecer e continuar que os dias não são nada fáceis, já bem bastam os jornalistas que nunca encontram nada de positivo no país, que cansativos!, em vez de ajudar, não, parece que gostam de enterrar mais um bocadinho, e as notícias, que maçada!, desgraça atrás de desgraça... É, aliás, por causa desta espécie, não há meio de a extinguir - morre tanta gente boa todos os dias... -, que, passadas décadas de debate e discussão, estudo para cá, estudo para lá, ainda aqui estamos e o país não tem Alta Velocidade. E são esses, os mesmos de sempre, os incapazes de entender a aposta nas infra-estruturas que aproximam Portugal do centro do universo, a ferramenta para aumentar a nossa competitividade, são estes, esses mesmos, que querem agora, mais uma vez, barrar o indispensável TGV. E quem diz o comboio, diz a terceira travessia sobre o Tejo ou o novo aeroporto de Lisboa. E a chatice é que não param de crescer e de incomodar o governo, que tem o trabalho todo feito, estudos de perder a conta, um orçamento, um PEC e, nunca mas nunca esquecer, uma inefável determinação e uma absoluta certeza de que há obras que não são daquelas de suspender ou adiar, quando muito podem ser reavaliadas desde que tudo fique na mesma, pronto a avançar. Um troço, uma auto-estrada, ainda vá lá, agora um TGV, por amor de Deus! Será que esses, os tais, não entendem que foram assumidos compromissos com empresas - sim, é verdade, as do costume - e que a palavra ainda tem valor nos dias que correm?
Enfim, muito mais teria para dizer, do fundo do coração, uma mãe que não percebe nada de ferrovias, mas que tem todas as dúvidas sobre a definição de prioridades do governo, que gostaria de perceber como é que se quer fazer meio mundo acreditar que sem estes investimentos o país pára, como é que, assim, alguma vez se fará de Portugal um país exportador - não são as exportações, a salvação da economia? - e que tem uma única certeza: não temos dinheiro, logo, não precisamos de TGV, NAL e TTT. Quem sabe mais tarde, depois de se começar a tratar bem as famílias. Afinal, o compromisso do país não é com as empresas do costume.
Foi preciso a Standard & Poor's baixar o rating para o nível mais baixo de sempre e que os juros da dívida pública atingissem o recorde de 13 anos. Foi preciso chegar ao estado de uma confrangedora debilidade face aos mercados internacionais. Foi preciso perder tanto tempo a culpar os especuladores - que sempre existiram -, para que o governo e o PSD anunciassem que vão trabalhar juntos na redução do défice e da dívida pública, ou seja, na execução do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC).
Só agora, chegados a este ponto, Sócrates e Passos Coelho marcam um encontro de urgência, como se se tratasse de um nobre feito. Como se há muito não estivesse em causa a sobrevivência e o futuro do país, como se alguém alguma vez pudesse ser teimoso ou irresponsável ao ponto de comprometer qualquer ponta de solução, como se nenhum dos dois não tivesse já entendido há séculos que se tomasse outra atitude estaria a dar tiros nos próprios pés.
Explicada a inevitabilidade do sucedido, reconhecida a importância de um acordo entre o governo e o PSD, há que dizer que é isto, para já existe só e apenas isto. No final do encontro em São Bento, Sócrates e Passos Coelho não apresentaram uma "mão cheia de nada", como disse Vieira da Silva a propósito do PEC do PSD, mas quase. A verdade é que o primeiro-ministro não deu uma única novidade aos mercados e aos portugueses. Nada de novo. O que seria de estranhar é que não existisse já um acompanhamento regular e intenso da situação financeira internacional. O anúncio de que isso vai passar a ser feito não é uma decisão que se anuncie depois de uma reunião de hora e meia entre o chefe de governo e o líder do maior partido da oposição.
E não vale dizer que se vai antecipar para 2010 medidas que só estavam previstas para mais tarde, e depois elencar meia dúzia de coisas que acabaram de ser aprovadas no último Conselho de Ministros ou anunciadas há dias pelo ministro Teixeira dos Santos. A taxa de 20% sobre as mais-valias em bolsa, o novo escalão de IRS de 45% para rendimentos acima dos 150 mil euros, a introdução de portagens nas Scut e as mexidas nas regras das prestações sociais não retributivas, bem como no regime do subsídio de desemprego estavam decididas e prontas para avançar quanto antes.
Nada de antecipação, zero de reforço, que fique claro. O que Sócrates - e Passos Coelho também - deixou foram apenas palavras, intenções e compromissos: que o governo está determinado a fazer tudo, mas mesmo mesmo tudo o que for necessário para que o défice se situe em 2013 abaixo dos 3%; que este é um país que cumpre os seus compromissos e que nunca desistiu da sua credibilidade internacional; que o governo está disponível para considerar as propostas feitas pelo PSD.
Não chega. Os mercados e os portugueses aprovam sentimentos como a determinação, mas já estão cansados disso. Registam o dar a face e voltar atrás de Passos Coelho, mas tão-pouco lhe dão grande relevância. Apreciam sinais de entendimento político, mas também não se contentam com anúncios de alianças. Aquilo que os mercados valorizam não é o Sócrates- -determinado nem o Passos Coelho-responsável, são, isso sim, resultados. E até agora, disso nem sinal. Dizia ontem Passos Coelho: "Não precisamos dizer mais hoje senão isto." Está muito enganado.
Há leituras para todos os gostos, a mais à frente é aquela que interpreta o discurso do 25 de Abril de Cavaco Silva como o lançamento da campanha à sua recandidatura nas eleições presidenciais de 2011. Pois, que seja. De facto, Cavaco não voltará a ter, neste mandato, muitas oportunidades de falar com tanta pompa e circunstância a tantos portugueses. Sim, qualquer analista político conseguirá justificar, uma a uma, as ideias e as palavras de Cavaco e analisar a sua intencionalidade e eficácia no campo da táctica eleitoralista.
Mas não é isso que interessa agora às pessoas, que ainda atribuem, sobretudo com o país neste estado, uma atenção especial ao que diz o Presidente num momento tão solene. Mesmo num dia em que só se pensa no Benfica. De pré-campanhas, campanhas e eleições estão todos fartos. Como disse Cavaco, e bem, "os portugueses perguntam-se todos os dias: para onde estão a conduzir o país? Em nome de quê se fazem todos estes sacrifícios?". São as respostas a estas questões que podem tranquilizar e transmitir a tão desejada confiança às famílias e às empresas.
Ninguém estava à espera que as soluções surgissem embrulhadas no meio dos discursos do Dia da Liberdade, nem que fosse Cavaco a responder àquilo a que o governo de Sócrates ainda não conseguiu dar resposta credível e definitiva. Mas esperava-se, isso sim, que o Presidente aproveitasse a ocasião para dizer coisas importantes.
Falou directamente a António Mexia quando voltou a interrogar-se sobre se os rendimentos dos gestores das grandes empresas não serão muitas vezes injustificados e desproporcionados face aos salários médios dos seus trabalhadores. Falou ao governo quando defendeu que a periferia - que já não se mede em quilómetros - "está onde mora a ineficiência do Estado, a falta de excelência no ensino, a ausência de conhecimento, de inovação e de criatividade [...], o atraso competitivo." E claro, falou ao primeiro-ministro, quando atirou sem clemência: "A injustiça social cria sentimentos de revolta, sobretudo quando lhe está associada a ideia de que não há justiça igual para todos."
Cavaco falou a muita gente, disse coisas acertadas, que existe vida para além de Lisboa, mas esqueceu-se do essencial, do que o país mais precisa - uma estratégia de médio e longo prazo e de governos que a executem até ao fim, sem mandar abaixo o pouco que vai sendo feito. Cavaco falou, encantado, sobre o mar, a necessidade de Portugal repensar a sua relação com "um activo económico maior do nosso futuro", mas esqueceu que essa conversa, como tantas outras, já é velha. Os nossos problemas, infelizmente, são e continuam a ser os do costume. No final da década de 70, antes de Portugal entrar na então Comunidade Económica Europeia (CEE), a falta de competitividade já era apontada como uma das principais falhas da economia nacional. Cavaco falou, falou, mas esqueceu-se de dizer o mais simples, que em Portugal os governos, incluindo os que ele próprio liderou, pouco governam.
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